As miopatias inflamatórias são doenças autoimunes que afetam os músculos. Embora raras, podem ser muito incapacitantes. Só quem passou por isso para saber o que significa perder, de repente e rapidamente, a força muscular.  Além disso ter que se deparar com uma doença pouco conhecida pela maioria dos médicos, o que retarda muito seu diagnóstico e tratamento.

Em primeiro lugar é preciso deixar claro alguns conceitos:  Mialgia quer dizer dor muscular que é um sintoma muitíssimo comum na vida diária, a maioria das vezes associada à exercícios físicos, distensão e contraturas musculares.  Já miopatia significa doença do músculo propriamente dito.

Existem dezenas de miopatias distintas e, diferenciar uma da outra pode não ser muito fácil.  Neste grande grupo de doenças existem várias formas de doenças metabólicas e doenças genéticas raras.  Além disso existe o grupo das miopatias inflamatórias (autoimunes) que será o foco deste texto, pois são doenças do universo da reumatologia.

 

MIOPATIAS INFLAMATÓRIAS

As miopatias inflamatórias afetam homens e mulheres de qualquer idade, inclusive crianças. Neste grupo estão algumas doenças conhecidas há várias décadas como a Polimiosite e a Dermatopolimiosite. Mais recentemente novas entidades foram sendo reconhecidas, cada qual com características próprias e que serão descritas na sequência do texto.

De uma forma geral todas estas doenças se caracterizam por dor e fraqueza muscular progressiva além da presença de graus variados de inflamação que pode ser observada na biópsia do músculo. No entanto, cada uma dessas doenças tem aspectos distintos do ponto de vista clínico (órgãos acometidos além do próprio músculo) resposta aos tratamentos, alterações laboratoriais e achados no exame do material colhido na biópsia do músculo.

Um subgrupo de portadores de miopatia inflamatória, particularmente pessoas com mais de 50 anos de idade e, principalmente com dermatomiosite, desenvolvem a doença como uma forma de síndrome paraneoplásica, ou seja, como manifestação a distância de algum tipo de câncer

 

POLIMIOSITE

A polimiosite é uma doença rara que afeta adultos, principalmente entre os 30 e 50 anos de idade.  Os sintomas costumam surgir gradualmente durante semanas ou meses com dor muscular e uma perda de força progressiva afetando principalmente os músculos proximais (mais perto do tronco) como as coxas, ombros, braços e pescoço.  Sem tratamento a doença pode progredir com fraqueza importante afetando atividades simples do dia a dia como pegar objetos, levantar de uma cadeira ou subir escadas.  Casos mais graves podem envolver os músculos da deglutição. Além do envolvimento muscular, a doença pode acometer outros órgãos como pulmão, coração e as articulações.  O envolvimento pulmonar é particularmente importante. O desenvolvimento de uma inflamação pulmonar conhecida como pneumopatia intersticial pode ser bastante grave e incapacitante.

 

PRINCIPAIS SINTOMAS DA POLIMIOSITE

  • Dor muscular
  • Fraqueza muscular progressiva
  • Dor articular
  • Cansaço e perda de peso
  • Fenômeno de Raynaud
  • Tosse e falta de ar
  • Dificuldade para deglutição

 

O diagnóstico da polimiosite pode ser bastante complexo. A história dos sintomas e o exame físico podem levar à suspeita de uma miopatia. Exames de sangue permitem verificar os níveis de certas enzimas (CPK e aldolase) que costumam aumentar quando existe inflamação e lesão do músculo.

Além disso, nas miopatias inflamatórias, vários tipos de autoanticorpos costumam ser detectados. Alguns deles são mais específicos para a polimiosite, outros mais indicativos de outras formas de miopatia inflamatória.

O exame de eletroneuromiografia é um teste importante para definir o acometimento muscular da doença e diferenciar de outras causas que podem produzir sintomas semelhantes.

A ressonância magnética dos músculos é um exame de imagem que permite demonstrar a presença de áreas inflamadas nos músculos, orientando assim a melhor região para realização da biópsia.

Finalmente, a biópsia muscular pode ser muito importante para a conclusão definitiva do diagnóstico. No entanto, o exame histológico do músculo coletado na biópsia, é um exame sofisticado que não é realizado em todos os centros.

 

POLIMIOSITE em DOENÇAS DE SOBREPOSIÇÃO

Alguns pacientes desenvolvem um quadro de polimiosite junto com outras doenças autoimunes reumatológicas como o Lúpus Eritematoso Sistêmico, a Esclerodermia, a Doença Mista do Tecido Conectivo, a Síndrome de Sjogren ou a Artrite Reumatóide.  Nestes casos, o envolvimento muscular tende a ser menos intenso.

 

DERMATOMIOSITE

A dermatomiosite é uma doença mais comum nas mulheres afetando qualquer idade inclusive crianças, adultos e idosos. Nos casos típicos, além dos sintomas musculares descritos acima, os pacientes desenvolvem lesões de pele características, nas articulações dos dedos, em volta dos olhos, no nariz, tórax, cotovelos e joelhos. Principalmente em crianças a doença pode provocar depósitos exuberantes de cálcio sob a pele.

O quadro de pele costuma aparecer antes do quadro muscular.  Curiosamente, existe um subgrupo ainda mais raro de doença, chamado de Dermatiomiosite Amiopática no qual a pele é acometida isoladamente sem evidência de uma miopatia franca.   Assim como na polimiosite, na dermatomiosite e na dermatomiosite amiopática alguns autoanticorpos específicos podem ser detectados por exame de sangue. Quando presentes é um fator a mais para auxiliar no diagnóstico, junto com os achados clínicos e de biópsia.

De uma forma geral, a maior utilidade na detecção destes anticorpos relacionados com as miopatias, tem sido a determinação de diferentes subtipos de evolução clínica. Um exemplo é a presença de um anticorpo em particular que está correlacionado com aquelas formas de dermatomiosite associadas ao câncer.  De qualquer forma, na prática, pessoas com mais de 50 anos de idade que desenvolvem miopatia inflamatória (principalmente dermatomiosite), devem ser investigadas para a presença de algum tipo de câncer que não tenha sido diagnosticado até então.

 

SÍNDROME ANTI SINTETASE

Ainda não existe consenso se a Síndrome Antissintetase deve ser classificada como uma entidade distinta ou não. Ela é definida pela detecção no sangue de um grupo de anticorpos conhecidos como anti sintetase.  Clinicamente estes pacientes desenvolvem, além da doença muscular clássica um importante quadro pulmonar (pneumopatia intersticial), fenômeno de Raynaud, artrite e uma alteração cutânea curiosa caracterizada por descamação das palmas das mãos chamada de “mãos de mecânico”.

O quadro costuma se instalar mais rapidamente do que na forma clássica, mas ao contrário da dermatomiosite tradicional, não está relacionada com câncer.

 

MIOPATIA NECROZANTE IMUNOMEDIADA

Apesar do quadro clínico muito semelhante ao da polimiosite, nesta entidade o exame microscópico do músculo mostra pouca inflamação apesar de necrose (destruição do músculo) extensa.  Alguns destes pacientes possuem um anticorpo específico detectado no exame de sangue, e as vezes, esta entidade está relacionada com uso de estatinas, que são drogas comumente utilizadas para baixar o colesterol

 

MIOPATIA POR CORPÚSCULO DE INCLUSÃO

Embora seja classificada como parte deste grupo de doenças (miopatias inflamatórias), esta entidade é bastante diferente das demais. Geralmente os sintomas evoluem de forma muito mais lenta e afetam músculos mais distais (mais distantes do tronco) como os músculos das pernas e antebraços. A biópsia do músculo revela uma alteração característica que dá o nome da doença, porém só é vista em cerca de 30% das amostras coletadas, o que dificulta bastante o diagnóstico.  A causa desta doença é desconhecida, provavelmente diferente das demais miopatias consideradas autoimunes. Desta mesma forma, ao contrário do observado nas demais situações, estes pacientes não costumam responder bem ao uso de corticosteroides e imunossupressores